Receita tributará licença-maternidade
estendida

Receita tributará licença-maternidadeestendida

Coordenação-Geral de Tributação orienta fiscais do país a cobrarem contribuição
previdenciária

A Receita Federal editou nova orientação sobre a tributação das empresas que
oferecem licença-maternidade estendida para as funcionárias. Os fiscais do país
deverão cobrar contribuição previdenciária sobre o salário pago durante os dois
meses de prorrogação do benefício.


Publicado na quinta-feira, o entendimento está na Solução de Consulta nº 27, da
Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal. O posicionamento do
Fisco era aguardado pelas mais de 25.800 companhias que aderiram ao Programa
Empresa Cidadã. O programa permite ampliar em mais 60 dias o período de
afastamento para mães e adotantes cuidarem dos filhos, em troca de incentivo
fiscal.


Antes mesmo da manifestação do Fisco, várias dessas empresas já estavam
batendo às portas do Judiciário para questionar a exigência. Algumas, como o Grupo
Carrefour (processo nº 5005384-95.2022.4.03.6100), obtiveram decisões favoráveis
para afastar a tributação, como noticiou o Valor em meados de dezembro.
Pela Constituição, as trabalhadoras têm direito a quatro meses (120 dias) de licença-maternidade remunerada, custeada pela Previdência Social. As companhias que
aderem ao Empresa Cidadã, instituído em 2008 pela Lei nº 11.770, e que são
tributadas pelo lucro real, podem prorrogar o benefício em troca de deduzir a
remuneração paga às mães do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
A dúvida das companhias sobre o dever de tributar o salário pago na prorrogação
da licença-maternidade surgiu depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF), de 2020, proferida em repercussão geral. Na ocasião, os ministros
estabeleceram que é inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a
cargo do empregador sobre o salário-maternidade (RE 576.967, Tema nº 72).
Segundo a Fazenda Nacional o impacto estimado do julgamento é de perda anual
de arrecadação de R$ 1,3 bilhão.


Ao afastar o recolhimento, os ministros consideraram que esse valor não é pago
com habitualidade ou como contraprestação ao serviço prestado pela funcionária.
Além disso, entenderam que a tributação geraria uma discriminação no mercado de
trabalho, pois criaria obstáculos na contratação de mulheres e, consequentemente,
violaria a garantia de igualdade entre gêneros.
Ainda em 2020, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) editou o Parecer
SEI nº 18.361 para dispensar os procuradores de discutir judicialmente a tributação
do salário-maternidade. Em setembro de 2021, a Cosit publicou a Solução de
Consulta nº 127, em que acatou a decisão do STF e reconheceu o direito dos
contribuintes restituírem e compensarem valores pagos a mais.

A PGFN e a Receita manifestaram que a decisão do STF vale para a contribuição
previdenciária devida pelos empregadores – de 20% sobre a folha de salários. Agora,
na solução de consulta, o Fisco detalhou que o salário-maternidade é um benefício
previdenciário, ao contrário da remuneração paga durante o período de
prorrogação da licença. Assim, a contribuição previdenciária seria devida no
segundo caso.


Ainda de acordo com o Fisco, o objetivo do Programa Empresa Cidadã é garantir a
licença-maternidade sem prejuízo da remuneração, e não o salário-maternidade. Os
valores pagos durante a prorrogação do afastamento das mães ou das adotantes,
diz a Receita, não são custeados com recursos do Regime Geral da Previdência
Social, mas por dedução do IRPJ devido pela empresa.


“Não é possível que os efeitos de uma decisão judicial [STF] sejam extrapolados para
abarcarem situações não contempladas em seu objeto”, concluiu o Fisco.
Advogados tributaristas apontam que a decisão do STF se baseou em outros
fundamentos para afastar a tributação sobre o salário-maternidade. De acordo com
Chede Suaiden, sócio do Bichara Advogados, o entendimento da Receita não
combina com a motivação da decisão do STF, baseada no princípio da isonomia. “O
entendimento da Receita continua desestimulando a contratação de mulheres.”
O advogado ainda frisa que não há diferença da licença estendida para a regular.
“Nos dois casos a empregada está afastada e recebendo valor sem prestar serviço
para a empresa, por isso não poderia ser caracterizado como salário”, afirma.
A advogada tributarista Carla Mendes Novo, do escritório Mannrich e Vasconcelos
Advogados, destaca que a posição da Receita pela tributação vai na contramão de
manifestações da PGFN em ações judiciais. “O reflexo do entendimento da Receita é
uma potencial geração de contencioso de um tema que, depois de tantos anos de
discussão, foi pacificado pelo STF”, afirma.


No processo envolvendo o Grupo Carrefour, que tramita na Justiça Federal de São
Paulo, por exemplo, a PGFN reconheceu que a contribuição previdenciária não
poderia ser exigida sobre o salário-maternidade, por força da decisão do STF.

Na ocasião, a PGFN informou ao Valor, por meio de nota, que não iria mais recorrer
das decisões que tratam da questão, “dentro do seu objetivo de reduzir
litigiosidade”. Agora, diante da posição da Receita, a PGFN afirmou ao Valor, que “irá
se debruçar novamente sobre o assunto a fim de avaliar as considerações trazidas
pelo órgão fazendário”.


Informou que havia analisado a questão sob a ótica do artigo 19, 9º, da Lei nº 10.522,
de 2002, que legitima a extensão dos motivos determinantes para temas não
abrangidos pelo julgado, quando a ele são aplicáveis os fundamentos
determinantes extraídos do julgamento paradigma ou da jurisprudência
consolidada.


Procurada pelo Valor, a Receita afirmou que aplica “estritamente” a legislação e as
decisões judiciais nas situações objeto de tributação, conforme as peculiaridades de
cada caso concreto.

Fonte: Valor Econômico

Por Bárbara Pombo e Beatriz Olivon — De Brasília
15/02/2023

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